Quando o pediatra menciona sucralfato, a pergunta que dispara de imediato é simples: é seguro e resulta mesmo em crianças? A resposta curta: pode ser útil em casos específicos (úlcera, gastrite, esofagite erosiva, alguma mucosite oral), mas não é a primeira linha para refluxo infantil e o uso pediátrico é muitas vezes fora do rótulo. Se quer saber quando faz sentido, como dar, que riscos evitar e o que diz a evidência mais recente, este guia é para si.
- O sucralfato atua como um “curativo” no estômago/esófago: faz uma barreira que protege a mucosa e ajuda a cicatrizar.
- Em pediatria, é usado sobretudo para úlcera/gastrite e esofagite erosiva; não é a melhor escolha para refluxo simples em bebés.
- É pouco absorvido, mas contém alumínio: cuidado especial em insuficiência renal, prematuros e uso prolongado.
- Interage com muitos fármacos (antibióticos, levotiroxina, anticonvulsivantes): espaçar tomas é crucial.
- Se não houver dor/lesão erosiva, medidas não farmacológicas ou IBP/H2 costumam funcionar melhor.
O essencial: o que é, para que serve e quando considerar em crianças
O sucralfato é um sal de sacarose e alumínio. Em contacto com o ácido gástrico, forma um gel viscoso que se cola a áreas inflamadas ou ulceradas e cria uma película protetora. Pense nele como um penso que adere ao “ferimento” na mucosa. Não reduz o ácido como os inibidores da bomba de protões (IBP) ou os antagonistas H2; atua localmente, protegendo e favorecendo a cicatrização.
Em 2025, em Portugal, o sucralfato existe em comprimidos de 1 g e suspensão (tipicamente 1 g/10 mL). É aprovado para úlcera duodenal em adultos; em crianças, o uso é geralmente off-label, decidido caso a caso pelo pediatra ou gastroenterologista. As situações em que costuma ser considerado:
- Úlcera gástrica/duodenal ou gastrite erosiva, para alívio da dor e proteção da mucosa.
- Esofagite erosiva associada a refluxo gastroesofágico (como coadjuvante, não como monoterapia).
- Mucosite oral (dor/queimadura na boca) em contexto oncológico: a evidência é mista; pode ajudar no alívio sintomático em alguns casos.
- Após ingestão de AINEs, em crianças de risco com lesão mucosa documentada, como parte de um plano de proteção gástrica personalizado.
Quando não é boa ideia? No refluxo fisiológico dos lactentes (apenas regurgitação sem sofrimento), o sucralfato não é necessário. Diretrizes NASPGHAN/ESPGHAN sobre refluxo pediátrico reforçam medidas comportamentais primeiro e, quando indicado, IBP/H2 para esofagite comprovada - o sucralfato não é recomendado como primeira linha para tratar refluxo simples.
Quais são as tarefas que quer fechar ao ler isto? Normalmente, são estas: perceber se o sucralfato é seguro para o seu filho, saber para que condições tem melhor evidência, aprender a dar corretamente (timing, com/sem comida, por quanto tempo), evitar interações, e ter um plano B se a dor ou o refluxo não melhorarem.
Segurança na prática: riscos reais, interações e como usar com cuidado (Portugal, 2025)
A boa notícia: a absorção sistémica do sucralfato é mínima, por isso o risco de efeitos gerais é baixo. O ponto de atenção: contém alumínio. Em crianças com função renal normal e uso curto, o risco é muito baixo. Mas em prematuros, bebés muito pequenos, doentes renais ou em uso prolongado, há risco teórico de acumulação e toxicidade por alumínio (ossos e sistema nervoso). O folheto aprovado e rótulos internacionais alertam para prudência nestes cenários.
Efeitos adversos mais comuns:
- Obstipação (o mais frequente). Aumente água/fibra se possível.
- Boca seca, náuseas ligeiras, gosto metálico (menos comuns).
- Bezoar (massa indigerível) - raro, mas descrito em crianças criticamente doentes, com sonda, baixa motilidade gástrica ou uso de fórmulas espessas.
Interações: aqui está o maior ponto de falha. O sucralfato adere também a medicamentos e pode reduzir a absorção de:
- Antibióticos: fluoroquinolonas (ex.: ciprofloxacina), tetraciclinas.
- Levotiroxina, digoxina, fenitoína, valproato, alguns antihistamínicos e bisfosfonatos.
- Ferros orais e alguns multivitamínicos com metais.
Regra simples para o dia a dia:
- Dê o sucralfato em jejum, 1 hora antes das refeições e ao deitar.
- Separe outros medicamentos: 2 horas antes ou 4-6 horas depois do sucralfato. Para fluoroquinolonas, prefira 6 horas de intervalo.
- Se usar IBP (ex.: omeprazol), dê o IBP 30 minutos antes do pequeno-almoço; o sucralfato pode ser dado mais tarde, antes do almoço/jantar e ao deitar, mantendo intervalos.
Condições que pedem atenção especial ou evitamento:
- Insuficiência renal crónica: avaliar alternativas; se inevitável, usar a menor dose eficaz e por pouco tempo, monitorizando sintomas e, se indicado, parâmetros laboratoriais.
- Prematuros e lactentes muito pequenos: ponderar com pediatria/neonatologia; risco de alumínio e bezoar.
- Alimentação por sonda e baixa motilidade gástrica: risco de bezoar aumenta; discutir com gastroenterologia pediátrica.
- Intolerância à sacarose: a suspensão pode conter açúcar; verificar excipientes.
Como verificar qualidade e segurança do que dá: o Infarmed disponibiliza o folheto português de marca/genérico. Confirme a concentração da suspensão (mL por dose) e os excipientes. Em 2025, a apresentação mais comum é 1 g/10 mL; agite bem o frasco antes de usar.
| Cenário | Risco principal | Como mitigar | Quando rever o plano |
|---|---|---|---|
| Uso curto (4-8 semanas) em criança saudável | Obstipação, interações | Hidratar, espaçar tomas | Se dor não melhorar em 1-2 semanas |
| Insuficiência renal | Acumulação de alumínio | Preferir alternativas, dose mínima | Se sintomas neurológicos/ósseos ou uso prolongado |
| Bebé prematuro/sonda | Bezoar, aspiração | Avaliar risco/benefício, vigilância apertada | Se vómitos, distensão ou obstrução |
| Polimedicação | Perda de efeito de outros fármacos | Intervalos 2-6 horas | Se houver falha terapêutica |
Eficácia por condição: o que a evidência mostra em 2025
Úlcera e gastrite erosiva: aqui o sucralfato tem melhor terreno. Estudos pediátricos (pequenos, mas consistentes com os adultos) mostram alívio da dor e cicatrização mais rápida quando usado corretamente. Em úlcera duodenal, as taxas de cicatrização adulta rondam 70-90% em 4-8 semanas; em crianças, os números são mais variáveis, mas clinicamente vê-se benefício como coadjuvante. Não substitui a erradicação do Helicobacter pylori quando este está presente - a diretriz ESPGHAN/NASPGHAN de H. pylori é clara: erradicar com antibióticos + IBP; o sucralfato pode ser um apoio para dor/cicatrização, não a terapia-chave.
Esofagite erosiva por refluxo: diretrizes NASPGHAN/ESPGHAN para refluxo pediátrico (documento base ainda adotado em 2025) recomendam IBP como primeira linha para esofagite erosiva confirmada. O sucralfato pode ser considerado como complemento para proteção local, sobretudo em dor intensa. Em refluxo sem lesão erosiva, o benefício é pequeno; a prioridade é postura, espessamento da fórmula quando indicado, e revisão dietética.
Mucosite oral: as recomendações internacionais (MASCC/ISOO) têm sido consistentes a desencorajar o uso do sucralfato para prevenir mucosite induzida por radioterapia/quimioterapia, por falta de benefício claro. Para alívio sintomático, alguns centros ainda usam a suspensão como “bochecho e deglutição” antes das refeições, com relatos de melhoria da dor em casos selecionados. A evidência é heterogénea. Se o seu filho está em tratamento oncológico, siga a equipa de oncologia pediátrica - há protocolos testados que combinam higiene oral rigorosa, analgésicos tópicos e medidas de suporte, reservando sucralfato apenas quando há resposta individual.
Lesões por AINE: nos raros casos em que uma criança desenvolve gastrite por AINE, o sucralfato pode reduzir dor e ajudar a mucosa a recuperar, mas reduzir/suspender o AINE e, muitas vezes, iniciar um IBP é a peça central do tratamento.
| Condição | Papel do sucralfato | Qualidade da evidência | Notas de diretriz (2025) |
|---|---|---|---|
| Úlcera/ gastrite erosiva | Coadjuvante para cicatrização e dor | Moderada em adultos; limitada mas favorável em pediatria | Usar 4-8 sem.; tratar causas (H. pylori/AINE) |
| Esofagite erosiva (RGE) | Complemento; não 1.ª linha | Baixa a moderada | IBP é 1.ª linha; sucralfato pode aliviar |
| Refluxo não erosivo em bebés | Ganho mínimo | Baixa | Priorizar medidas não farmacológicas |
| Mucosite oral | Alívio sintomático em alguns | Mista/insuficiente | Não recomendado para prevenção de rotina |
Resumo honesto da eficácia: quando há ferida visível (erosão/úlcera), o sucralfato faz sentido como “curativo” interno. Quando não há ferida, o benefício é bem mais modesto.
Como dar em casa: posologia prática, checklists, alternativas e FAQ
Dose e esquemas típicos usados por pediatras (off-label):
- Adolescentes: 1 g, 4 vezes ao dia (1 hora antes das refeições e ao deitar), por 4-8 semanas.
- Crianças mais novas: esquemas baseados em peso são usados (por exemplo, 40-80 mg/kg/dia divididos em 3-4 tomas; máximo habitual até 8 g/dia). O pediatra ajusta à idade/peso e objetivo.
- Mucosite oral: suspensão usada como “bochechar e engolir” ou “swish & swallow” antes das refeições, quando indicado pela equipa.
Nota: estas faixas são referências práticas comuns em farmacopeias clínicas. Siga sempre a receita do seu pediatra - ele adapta ao caso, à função renal, à forma farmacêutica e ao que a criança tolera.
Dicas de administração que evitam frustração:
- Agite bem a suspensão; meça com seringa dosadora.
- Dê em jejum. Se a criança não tolerar, fale com o pediatra - pode ser preciso ajustar horários.
- Se a criança toma muitos medicamentos, desenhe a “linha do tempo” do dia e coloque o sucralfato longe dos outros. Um quadro na porta do frigorífico ajuda.
- Obstipação? Pense logo em água, frutas e fibra adequadas à idade. Se persistir, não espere - contacte o pediatra para ajustar.
Checklist rápida antes de começar:
- Diagnóstico claro: há lesão/erosão? há refluxo com esofagite? mucosite dolorosa?
- Função renal ok? idade/risco de bezoar baixo?
- Outros fármacos que podem interagir? planeie os horários.
- Objetivo e duração definidos: 2, 4 ou 8 semanas? quando reavaliar?
- Plano B se não melhorar em 1-2 semanas.
Alternativas que costuma comparar com o sucralfato:
- IBP (omeprazol, esomeprazol, etc.): melhor para esofagite erosiva e úlcera associada a ácido; exige prescrição e ajuste por peso.
- Antagonistas H2 (ranitidina deixou de ser opção; famotidina é a alternativa atual): úteis em sintomas leves/moderados; tolerância pode surgir com uso prolongado.
- Medidas não farmacológicas: espessar fórmula quando indicado, fracionar refeições, posturas, eliminar gatilhos alimentares em crianças mais velhas.
- Analgésicos tópicos e protocolos de higiene oral em mucosite, conforme oncologia pediátrica.
Mini-FAQ
- É seguro para bebés? Pode ser usado em contextos selecionados e com vigilância, mas não é tratamento de rotina para regurgitação de bebés. Em prematuros e recém-nascidos, a decisão é muito cautelosa.
- Pode ser dado com omeprazol? Sim, em horários diferentes. IBP 30 minutos antes do pequeno-almoço; sucralfato antes das refeições restantes e ao deitar, mantendo intervalos com outros fármacos.
- Quanto tempo demora a fazer efeito? Alívio da dor pode surgir em dias; cicatrização leva semanas. Se não há melhoria em 1-2 semanas, reavalie.
- Posso esmagar o comprimido? Sim. Esmague e misture com pequeno volume de água para formar uma papa. A suspensão é mais fácil para crianças.
- Escurece as fezes? Não. Quem escurece é o bismuto. Se vir sangue, dor forte ou perda de peso, procure cuidados médicos.
- Tem açúcar? A suspensão pode conter sacarose. Em diabetes ou intolerância, confirme excipientes e veja alternativas.
Heurísticas úteis para pais e clínicos:
- Há “ferida” visível (endoscopia ou suspeita clínica forte)? O sucralfato ganha pontos como coadjuvante.
- Sem lesão, só desconforto leve? Tente medidas não farmacológicas primeiro; pondere H2/IBP se persistir.
- Muitos medicamentos? Se não consegue espaçar, evite sucralfato para não perder eficácia dos outros.
- Risco renal/bezoar? Prefira alternativas.
Próximos passos por perfil:
- Pais de bebé com regurgitação feliz (sem dor, sem falha de crescimento): foque em ajustes de alimentação e postura; não precisa sucralfato.
- Criança com dor epigástrica recorrente e suspeita de gastrite: fale com o pediatra; pode fazer sentido um curso curto de proteção gástrica (geralmente IBP) e, por vezes, sucralfato para conforto.
- Adolescente com esofagite erosiva confirmada: IBP é central; sucralfato pode ajudar nas primeiras semanas.
- Criança oncológica com mucosite dolorosa: siga o protocolo da equipa; o sucralfato pode ser testado para conforto se eles recomendarem.
Fontes que sustentam este guia: rótulos oficiais e folhetos de sucralfato, diretrizes NASPGHAN/ESPGHAN de refluxo pediátrico e de H. pylori, recomendações MASCC/ISOO para mucosite oral, e revisão de segurança do alumínio em pediatria citada por entidades regulatórias. Se quer nomes: NASPGHAN/ESPGHAN (refluxo pediátrico), ESPGHAN/NASPGHAN (H. pylori), MASCC/ISOO (mucosite), rotulagem FDA/EMA/Infarmed para sucralfato.
Nota SEO útil: quando procurar informação, use termos como sucralfato crianças, “refluxo pediatria”, “gastrite criança”, “mucosite oral pediátrica”. Vai encontrar diretrizes e conteúdos mais focados.
Red flags (procure ajuda médica já): dor intensa que não cede, vómitos persistentes com sangue, fezes pretas alcatrão, perda de peso, sinais de desidratação, ou qualquer alteração neurológica em criança com doença renal que esteja a usar sucralfato.
Em casa, o objetivo é simples: usar a menor dose pelo menor tempo necessário, com horários bem pensados para não estragar a eficácia de outros medicamentos. Se tiver dúvidas, leve a lista de fármacos do seu filho à farmácia ou ao pediatra e confirme os intervalos. É meio caminho andado para correr bem.